Por Marcella Sobral
24/09/22 06:45
Sexta à noite, quando acabou a peça Allegro Brillante, um balé de George Balanchine, no McCaw Hall, em Seattle, Jonathan Batista foi anunciado primeiro bailarino do Pacific Northwest Ballet, tradicional companhia de balé americana, como anunciou Ancelmo Gois. Aos 30 anos, sendo 15 de carreira, o brasileiro é carioca, nasceu e cresceu na Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio. Ele será o primeiro preto a conquistar o papel de protagonista no grupo, que existe há meio século.
— É um momento histórico. É emocionante fazer parte da inclusão de bailarinos pretos neste momento — diz Jonathan, ressaltando que o após a morte de George Floyd e do movimento Black Lives Matter as conversas sobre representatividade ganharam força em todas as áreas, inclusive na dança. — O mundo do balé começou a perceber que corpos negros ainda não tinham muitas oportunidades em posições de destaque.
Se hoje ele é o número um de uma companhia composta por 40% de pessoas pretas e estrangeiras, nem sempre foi assim. Num universo tradicional, sóbrio e competitivo, os estereótipos eram muito bem desenhados. Os papéis de destaque eram quase exclusivamente de pessoas brancas. Em 2018, ele viu essa história começar a mudar quando numa montagem de Lago dos Cisnes foi o príncipe Siegfried, crush de Odette, a personagem principal da trama, interpretada por uma bailarina filipina.
Para ele, conquistas como essas não são apenas uma questão de diversidade, mas também de inclusão. Isso quer dizer ter acesso aos ensaios, ter a possibilidade de ser escalado em papéis de protagonistas, independente da origem.
— Temos que desenvolver habilidades para criar novos papéis culturais. Quero expandir a linguagem do balé e dar força a essa fala daqui para frente. O momento é de se falar sobre inclusão. Diversidade sem inclusão é somente cota.
Com um currículo aplaudido, com passagens por Miami City Ballet, English National Ballet School, The Royal Ballet School, The National Ballet of Canada, Boston Ballet, Cincinnati Ballet, and Oklahoma City Ballet, foi numa escola de comunidade que ele começou sua carreira. Aluno do projeto Unicom, na Cidade de Deus, e depois da Escola de Dança Alice Arja, na Taquara, ele se deu conta de que poderia ter um futuro diferente com o balé quando se reconheceu nos passos de Junor Souza, também de comunidade que foi estudar no English National Ballet.
Quando soube que teria uma audição da mesma instituição por aqui, não pensou duas vezes e fez sua inscrição. Passou, conquistou bolsa integral, e foi de mala e sapatilha para a Inglaterra, onde estudou por quatro anos. A partir daí, conquistou o mundo com disciplina, dedicação e talento.
— É uma conquista comunitária. Muitos jovens pretos vão se sentir representados. A diversidade tem um poder muito forte de transformação, e eu quero ajudar a contar essa história — fala, já pensando em mudanças num futuro bem próximo. — Quero que bailarinos pretos sejam vistos pelo seu talento, que ocupem lugares de protagonismo.
Rotina rígida
Com grandes conquistas, chegam novas responsabilidades. E a vida de um primeiro bailarino não é moleza. Às 4h30, Jonathan já está de pé. Medita, escreve no diário, se atualiza sobre os assuntos da vez, vai para a academia fortalecer os músculos, nada e às 9h15, depois de dois cafés da manhã, começa a ensaiar com a companhia. Sai de lá às 18h e, muita das vezes, dá uma passadinha na academia do prédio para um alongamento. Entre uma das duas refeições da noite, Johnatan aproveita para responder e-mails e produzir conteúdo para as redes sociais — somente no Instagram ele tem 45 mil seguidores.
Filho único de uma dona de casa e de um eletricista, Jonathan sempre teve apoio da família. Ser o único menino da comunidade a fazer balé sempre foi motivo de orgulho. O que não quer dizer que ele não passou por momentos difíceis, principalmente quando foi viver no exterior.
— Tive que ir atrás das minhas oportunidades. Às vezes me sentia excluído por não poder participar de um ensaio fotográfico por causa do meu cabelo, por não me encaixar em alguns grupos ou por não ter a percepção do meu talento — relembra o bailarino. — Para ser o primeiro bailarino num espaço onde o corpo preto era inexistente, onde apenas uma cultura é celebrada, tive que travar várias batalhas silenciosas dentro da minha jornada, mas isso está gerando resultados.
Coreografando o futuro
Em agosto, Jonathan esteve no Brasil e fez questão de dividir um pouco dessa experiência com crianças e jovens com um workshop de dois dias na Academia de Dança Valéria Martins, na comunidade onde deu os primeiros passos na vida e na dança. Sabendo que era possível, ele foi lá e fez mais. Criou uma campanha que arrecadou R$ 10 mil para ajudar na finalização de obras do lugar e outras despesas.
— Essas crianças têm uma semelhança com a minha história. Quis mostrar para eles que é possível — disse ele, certo que isso é só o começo. — Sonho em ter uma fundação que possa custear bolsas de estudos para jovens talentos.
Por Marcella Sobral
24/09/22 06:45
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